Crónica
LISBOA-EVORA de A a Z
AFINAR o material. Não é normal sacar-se as duas rodas. Aqui há uns anos, depois de uma vinda de férias, a roda da frente por não estar suficientemente ajustada, saltou do garfo, penalizando um filho por negligência do progenitor. Menos grave, mas que nos deixa insatisfeitos, é a inoperacionalidade dos conta-quilómetros.
BEBIDAS frescas sim e não. Podemos sempre recorrer ao congelador quando na véspera preparamos a nossa bebida preferida, mas a experiência diz-nos que depois de aquecida pelo sol não sabe ao mesmo que ao natural. Parar num café qualquer, à beira da estrada, é bom para cicloturistas de 60 quilómetros.
CAMISOLAS. A maior contestação nos dias antecedentes – feios, porcos e maus, alegou-se quase por unanimidade, antes da conformação. Feios, porque quem engendrou aquela combinação de cores devia estar a querer castigar o país de origem. Porcos, porque um empréstimo apressado pode dar origem a cheiros inadequados ao gosto pessoal de cada um, e maus pela qualidade duvidosa do seu tecido e provavelmente imprópria para esta altura do ano. Finalmente cada um imaginou uns calções consoante a sua estética de beleza. Verde para uns,. vermelho para outros e preto para a maioria. Para quem optou pelo vermelho – prova em anexo – a parte dos bolsos em verde imitava na perfeição uma fralda bem vistosa, sobretudo a quem subisse os calções para não ser motivo de olhares indiscretos aquando de uma ida à praia.
DESISTIR é ideia que não entra na cabeça de ninguém antes. Mas pode acontecer por várias razões, e o discernimento é coisa que não existe nesse momento, prevalecendo a teimosia individual. O melhor conselho é subir na carrinha alguns minutos e depois de recuperado… estrada novamente. Por vezes pode até acontecer não haver motorista e aí é obrigatório a desistência... à vez – pelo menos para os que têm Carta.
EMPURRAR. Houve excesso de zelo – há sempre desgaste para ambos os lados – nalguns momentos, principalmente nas rectas. Não havia necessidade. Também não fica bem empurrar quando se está a ultrapassar outros ciclistas – principalmente para estes. É sempre de evitar.
FUROS. Nestes dias é para esquecer a reparação no momento. Ou roda suplente imediata, se o carro estiver por perto, ou fica lá pregado à beira da estrada e vai entrar lá mais para a frente, após chegar o transporte. Retardar o grupo é impensável.
GRAÇA DO DIVOR. Tinha-se decidido não ir lá e vir logo directo da Abaneja a bem do dito banhinho retemperador. Mas a decisão no momento – por arrastamento de um ou outro – foi boa, e parecia mal não fazer a chegada, uma vez que não havia meta oficial.
HORÁRIO. A marca das 5 horas parecia ser um objectivo impossível. Não havia que enganar: 5 horas para a partida e 5 horas para a chegada. Se a primeira foi fácil com a ajuda da auto-estrada, a segunda dependia do vento ou do calor. Fazer média de 30 numa hora parecia fácil, mas fazê-lo durante 5 horas era coisa impossível de conseguir. Os 29 finais surpreenderam.
INSCRIÇÕES. Asneira da grossa. Nós já lá estávamos, a mesa que viesse ter connosco. Típico. Se fosse devido ao chamado período de concentração antes da partida, compreendia-se, mas era mais do género... encostanço.
JOGÃO. Se fosse futebol teria sido. Os desportos colectivos tem esta particularidade de um grupo atingir a perfeição quando parte ou todos os seus integrantes sabem qual o seu papel a desempenhar a bem do colectivo. Como alguém disse uma vez, melhor é impossível. As insuficiências individuais menores não têm aqui cabimento.
KM´S. A dúvida pendia para o Ribeiro que contraíra dias antes uma lesão grave na roda traseira. Os treinos indicavam que salvo imprevisto de maior era assunto arrumado e não questionável. Só a teimosia ou excesso de cera nos ouvidos – atenção indevida aos mais experimentados – podia impedir a sua concretização.
LÍDERES. Todos davam ordens e nestes dias não são demais, desde que cada um saiba o que está a fazer. Quando se abria um espaço era logo preenchido pelo que estava mais a jeito, ou o próprio lá ia com gosto, dando mentalmente ordens a si próprio.
MARCHA. Não é hábito marcar-mos presença em marchas ou passeios destes. Como diria o outro: “este é um dos nomes para um desporto que podia ser maravilhoso se não tivesse que engordar tanta sanguessuga”. Felizmente ninguém da federação cá pôs os pés. Mas os quilómetros pediam, e não se podia desperdiçar uma oportunidade desta tão rara. Vendas Novas com partidas intervaladas por equipas, não parece soar tão bem e o futuro o dirá, assim como o objectivo de uma prova com mais de 200, até Vila Real Sto António – ou Braga, mas não directa.
NOME. Ainda não há, mas falta pouco. União, biciclistas ou Aliança da Cadencia parece gerar algum consenso, contrastando com a combinação de cores da selecção com Porta da Ravessa, da Giraldo sem Pavor como equipa, quando as camisolas eram, por sua vez, da confeitaria Ramos. Já para não falar do desalinhamento quanto ás cores dos calções a utilizar e a camisola que faltou para a unanimidade do colectivo.
OBRIGAÇÃO. Comer sem ter fome é o mesmo, ou pior, que escolher a sanita como sofá sem ter vontade. Mas é necessário assim como o beber … e o puxar. Até o contra-relogista – ciclista que tem por máxima: “mais vale só que mal acompanhado” – foi forçado a “fazer” a recta do Cabo, mas todos tiveram que dar à perna e à mão, não sendo necessário o cotovelo – no caso dos sprinters ou velocistas, resulta tão necessário e eficaz como as pernas.
PARAGEM. No pior sítio e momento. Mas teve atenuantes: 90 km de prova, calor a apertar, penduras encantados com o nosso ritmo, eminência de quebras imprevistas, etc. O correcto seria parar nas Silveiras, Montemor ou, a melhor de todas, antes de uma descida para as pernas não arrefecerem, recorrendo à geleira que havia na carrinha e ao que restasse para comer apenas por breves momentos. Só ficavam a perder os habituais do “cimbalino”.
QUADRILHA. Sinónimo dos 4 magníficos da frente, não havendo intromissão dos que habitualmente não puxam – característica do ciclista propenso a apanhar resfriados, (cabe aqui historiar) motivo único pela qual procura sempre resguardar-se do vento, evitando cuidadosamente ir para a frente do grupo, para que não se lhe esfrie o nariz, originando uma eventual constipação. Naturalmente que o qualificativo de “ir na mama” utiliza-se apenas no sentido depreciativo.
RECTAS. Cá não há disto. Tantos quilómetros em recta nunca tínhamos apanhado. Viana e Azaruja é pouco, e Portel-Oriola fica longe. È certo que temos Reguengos, mas não tem bermas e é sempre ligeiramente a subir. Assim até a minha avó brilhava a rolar, dirão alguns.
SARDINHADA. O convívio é sempre necessário nestes eventos. O Ribeiro e o Filipe não podiam ser coarctados duma ocasião destas. Compreende-se nos outros que não seja justo para a família, que se privou da sua presença grande parte do dia, a sua ausência. Era uma decisão facultativa que o desgaste corporal ajudou a tomar.
TIPOS. Um que não nos largava e outro que não despegava. Um ficou encantado connosco e com o grupo. O outro nada satisfeito noutro grupo. Um que nunca mais o veremos. Do outro nunca mais nos livramos.
ULTRAPASSAR. É o que o ciclismo tem de melhor. Mas aqui foi feito não em força, mas sempre com elegância e desportivismo, convencendo qualquer um a não nos seguirem, mas a abrandarem, como se estivessem assistir a algo sublime. Um regalo para a vista a fila de camisolas vermelhas que depois se reunia em bi-fila para voltar a enfrentar o vento e retomar o andamento.
VIATURA. Uma aquisição de ultima hora. A ordem de 4 em cada banco e o amplo espaço traseiro para bicicletas, sem necessidade de retirar as rodas, permitiu suprimir eventuais complicações de ultima hora. Depois um condutor com conhecimentos no meio ciclístico – e de realizador, diga-se de passagem – tornou a coisa mais fácil, deixando exclusivamente aos outros a tarefa de concentração individual em prol do grupo.
WATTÍMETRO. Ninguém dispõe deste aparelho que mede a potência ou intensidade da força desenvolvida pela corrente esticada. Também não empregámos muita força, mas a roda grande esteve sempre presente e o adormecimento dos pés na parte final só pode significar posturas incorrectas, que não era o caso, mas sim falta de horas em cima da transportadora e com andamentos de corrente bem esticada à volta do 52X15.
XEQUE-MATE. Dói mas não há nada a fazer é a renúncia por parte de quem não pode continuar a participar devido a circunstâncias diversas. Podemos chamar-lhe queda, cãibras, indisposição, esgotamento, pajara ou o “nosso” desfalecimento, por insuficiência de comida ou de bebidas isótonicas. Só com água e tabletes ninguém se safa de uma desidratação. A ciência descobriu recentemente que a solução, para alguns, é comer e beber depois de 15 minutos de descanso mínimo para os que queiram prosseguir. Para a maioria a lógica é… carrinha.
YES. Sobretudo para o Filipe na sua quarta vez que andou. Contado ninguém acredita, mas cá vai. Na primeira vez “apanhou” 85 deles, e um rabo de macaco (Pelado). Na segunda, 105 e na terceira 135. Agora só para baixo, quer dizer, Aldeia da Luz – 140 – ou Alqueva, bastante mais.
ZIG ZAG. Felizmente só havia um praticante desta modalidade. Os outros foram gramando com o que lhe aparecia pela frente, fosse buraco, lomba, paus ou restos de pneus. O treino infringido entre o Ciborro e Lavre deu frutos de forma a não ocasionar alguma queda, habituando o corpo aos solavancos e imprevistos. Cada um viu-se assim forçado a comer o que lhe punham à frente… da roda.
O Experiente