«Produzir sem anunciar é como piscar o olho a uma rapariga no escuro.
Podes saber o que estás a fazer, mas ela não.»
Preparar uma ou várias provas, treinar quando se pode, organizar a viagem e o alojamento, decidir a táctica a empregar... são muitos os factores que convertem o cicloturismo num hobbie único que, além disso, sempre tem uma recompensa moral que outras actividades não têm. Pode-se ser o primeiro ou o último, correr sobre uma bicicleta de 600 contos ou sobre uma de 30, dormir num hotel de cinco estrelas, num parque de campismo ou no carro, mas no fim o único resultado que conta é o esforço de cada um. O ciclista, a estrada e as suas próprias forças e vontade.
Temos de ser rápidos e práticos, na hora de decidir das nossas forças e se vamos ou não com o grupo que está à nossa frente. O melhor exemplo que conheço é de um amigo meu: «Quando fui raptado, os meus pais entraram imediatamente em acção - alugaram o meu quarto..
Sofrer nas montanhas é algo que me o recorda também: «Quando era pequeno, os meus pais descobriram que eu possuía tendências masoquistas. A partir daí, passaram a bater-me todos os dias, para ver se eu parava com aquilo.»
Não se trata de gabarolices, mas por vezes ultrapassamos os nossos limites e subir aquelas montanhas traz-me à memória o Oscar Wilde a bater a bota: «morro acima das minhas posses.»
Escolhemos o ciclismo porque se dizem coisas esquisitas nos outros desportos. Querem ver? de verdade, quantas vezes já ouvimos dizer que, sei lá, o lançamento do dardo é uma caixinha de surpresas? Ou que um jogador de xadrez levou longe de mais o seu esforço? Naturalmente, o futebol é o único jogo em que o jogador pode estar em fora de jogo
Imaginem o que seria um desporto que se pudesse praticar sentado. Só para alentejanos mesmo! Querem ver? Ter velocidade de ponta, não é ser como o Clinton, a braguilha mais rápida do Oeste. Antes que não continue com as rebaldarias de Clinton, permitam-me uma pequena pausa. Uma rapidinha. Ops, salvo seja! Do ciclista que logo a seguir engata o turbo e arranca que nem uma bicha de rabiar. Poderá haver alguém do pelotão com a mania da perseguição? Ou o caso em que o limite do esforço é ultrapassado. Sabem o que é? Caso-limite é o Michael Jackson, em que preto mais branco não há. Finalmente, um grupo cansado não deverá querer fazer uma paragem...cardíaca.
Mas chega de sinuosidades vamos direito ao assunto, embora por linhas tortas. Sempre que vejo um fugitivo com o pelotão a tentar alcançá-lo em cima da meta, lembra-me a afirmação de um zoófilo, de que fazer amor com um ouriço-fêmea é muito perigoso, pois são cem picas contra uma.
Sei do que estou falar, pois, embora não goste de ganhar vantagem, a minha infância foi tão maravilhosa como a de qualquer outro mentiroso.
Participar num campeonato tem que se lhe diga. Por exemplo no campeonato português, mas de futebol, a diferença entre os que ganham e os que perdem, é que os que ganham contam piadas, enquanto os que perdem falam dos casos do jogo. Enquanto lá não forem sofrer nunca saberão o que é o humor.
Claro que neste Ensaio haverá umas pitadas de «fantasia». Mas, que diabo, ainda bem que a mentira existe. Imaginem se tudo o que houve até hoje fosse verdade... Alguns até dirão que é pura ficção - mas ainda assim os que lerem engolirão a treta com casca e tudo. Os outros exclamarão: «Só acreditarei na TV a cores quando vir a gaja preto no branco!»
Para falar desta aventura de prazer, foi esta a forma de divulgação que encontrámos e não a como alguém publicou num jornal: «Mecânica destravada. Adoro homens com a barriguinha cheia de pneus. Mas só dou boleia se os pneuzinhos não me deixarem no caminho. Estou farta daqueles homens com tanto pneu para tão pouca potência.» Valha-me Deus, estaremos a falar da quinta-essência do prazer ou de uma estação de serviço?
Como concelho direi para terminar, aceitem a minha dica de puericultura, que se pode aplicar no ciclismo, eu que já fui pai duas vezes e filho uma, eis: a primeira lição na arte de ser pai consiste em dormir quando o bebé não está a olhar. Façam o mesmo se quiserem atacar com sucesso. Apanhem-nos distraídos.
Se não quiserem sofrer, arranjem um emprego na função pública. Mas há certos requisitos. Como se sabe, funcionários públicos nunca devem tomar café depois do almoço: faz com que percam o sono à tarde. Em compensação, os funcionários públicos são os melhores maridos: não apenas voltam cedo e descansados para casa, como já leram o jornal.
Modernizem-se, usem o silicone em spray para lubrificar as correntes. Devo lembrar que em relação ao silicone, esse suposto amigo do peito, só queria dizer mais uma palavrinha: os seios são como o uísque, um é pouco, dois é bom, três são de mais.
A talho de foice, devo mencionar que um dia destes encontrei o “nosso” velhote, o Zica, que já teve a sua festa de homenagem aqui há uns anos e me disse: «Vou a caminho dos 70 anos e as pessoas perguntam-me do que eu gostava mais. Pois bem, eu digo-lhes, de um processo de paternidade», e mais à frente voltaria a tocar no assunto: «Recuso-me a confessar que tenho mais de 50 anos, embora isso torne ilegítimos os meus filhos.».
Fez-me lembrar um vizinho que quando viu «O Último Tango», de Bernardo Bertolucci - notório talvez sobretudo pelas cenas eróticas entre Marlon Brando e Maria Schneider - gemeu: «é o filme mais triste que já vi. Chorei o tempo todo. De facto, é muito triste ver aquilo quando já se tem 82 anos». Foi sincero. Tal como aquela actriz, mais velha do que a chupeta do Fernando Pessa, depois da enésima plástica, gabou-se: «Vocês podem não acreditar, mas eu também já fui velha!»
Não só de velhos vive o mundo. Também há jovens, e aqui vai uma palavrinha, especial para eles. Não se angustiem tanto com a juventude, pois juro que mais dia, menos dia isso passa-vos. E quando a juventude vos tiver passado, vocês serão como nós. Ou seja, também sulcarão as ruas a perseguir pequenas 20 anos mais novas.
Afinal aprendemos que ninguém é jovem o bastante para saber tudo. E, sobretudo, 30 anos depois, descobrimos que o jovem é o passado do velho, e o velho o futuro do jovem.» E vem-nos à memória os primórdios destas curiosidades... Lembro-me de um dia quando eu era miúdo e pedi ao meu pai que me explicasse umas coisas sobre sexo. «Cala-te» explicou-me ele.
Mas há ainda uma esperança: dizem que nas nossas sociedade ocidentais, o futuro pode até estar nas mãos dos jovens. Mas eles nem sequer as lavam antes das refeições... E quando as lavam, é como Pilatos. O que vale é que o Godinho é como o vinho... do Porto: quanto mais velho mais antigo.
Portem-se bem, como os escuteiros! O que são escuteiros? Oh, são um bando de crianças vestidas de palermas, comandadas por um palerma vestido de criança.
Por fim, espero não ter aleijado muito a língua portuguesa, já que constantemente apanha mais do que a alcatifa em dia de limpeza. Bem sei que a origem do nosso idioma é um bocado promíscua. Remonta ao latim vulgar, traduzido por soldados, lavradores e comerciantes do Império Romano, que cá chegaram entre os séculos II a.C. e V d.C. Depois de aqueles gastarem o seu latim, também tiveram uma palavra a dizer os Visigodos e os Árabes. Se calhar é por causa dos Árabes que alguns de nós gostam tanto de arabescos verbais... Vai tu!
Para os que não gostaram, recordo então a resposta que dei uma vez a uns professores, que me recusaram um texto, sobre um trabalho qualquer, porque não estava como queriam: «Vocês desculpem-me, mas pior do que isso não sei fazer.»