Olá a todos:
Já de volta, vou contar-vos esta, para mim a quarta, Marcha dos Lagos 99.
Por fim a sexta-feira, a excursão apresentava-se com boa cara, depois de quase ter tido que suspendê-la por umas anginas da minha filha, que a retiveram na cama com 39 de febre no dia anterior. Mas como gosta mais de viajar que a uma bebé, e abrigada num casaco de bisonte, veio aos Lagos com 37,5 ºC para se recuperar com o ar das Asturias.
Para a noite de sexta juntámo-nos vários dos ciclolisteros que no dia seguinte iriam atacar a serra: Faco, Angel, Eugenio e eu próprio; para tomarmos umas hortelãs mentol e comentar o percurso e outras marinhagens de ciclista, que mantiveram a minha mulher e a minha filha absolutamente aborrecidas. Em todos os bares e restaurantes de LLanes havia o clássico ambiente ciclista que atrai esta marcha. Recolhemos cedo para preparar as “armas” para o dia seguinte.
Pela manhã juntámo-nos mais ciclolisteros no Polidesportivo, meia hora antes da partida. Sou incapaz de recordar os nomes de todos eles, mas mando-lhes uma saudação. De certeza que se nos inscrevêssemos todos sob a insígnia de ciclistas.org, em vez de pôr cada um o nome do seu clube, teríamos ganho um prémio de participação, era o que devíamos pensar fazer para a marcha dos Puertos de Madrid.
Bem, pois aqui começa a melhor parte..., fomos para a partida, soa o “sorvete” e lá vamos. Eu não queria ir muito depressa, mas logo à partida já me encontrava a 100 há hora, dentro do grande grupo da cabeça. Lanço um olhar ao pulsómetro e... pânico 170 ppm. Não pode ser, não noto nada de extraordinário... mas é que vamos a 40 km/h. Bom, digo par mim - apanha uma roda boa, descontrai e desfruta.
E a paisagem é para desfrutar imediatamente, circulamos paralelos ao mar, na direcção oeste, com a impressionante cordilheira dos Picos da Europa à nossa esquerda, surgindo os seus cumes entre as nuvens. Mas não há maneira de nos descontrair.... Produz-se um corte e salto com outros dois para tentar apanhar o grupo da dianteira, o que conseguimos sem demasiado esforço. Na cauda deste grupo vejo várias camisolas do Clube da Bota de Sonseca. Que se passa mancebos? Digo-lhes ao passar. Porra, Ramón!... exclama um. Que fazes por aqui, com a “pica” que isto está?... O Caberta e uns quantos mais vão lá mais para a dianteira. Pois eu vou-me a eles com calma – respondo-lhes.
Assim chegamos à primeira montanha, o Alto da Tornería, que por sorte este ano se sobe pela vertente sul, mais suave que pelo norte, por onde subimos o ano passado. Aqui a estrada estreita-se e empina definitivamente. Esta montanha deve ter uns 5 ou 6 kms. com algumas rampas durinhas e com uma descida espectacular. De cima vê-se directamente a careca dos ciclista que te precedem. É uma sucessão de curvas em seta, lavradas nas laterais da montanha, que está coberta de pastos. A estrada precipita-se ao fundo do vale, é um destes típicos vales dos Picos, que parece não ter saída e tens a sensação de que baixas na vertical, como num elevador, com petiscos que roçam a verticalidade nos quatro pontos cardeais. A subida faço-a bem, com ritmo: 160, 170 ppm... controlando.
De novo voltamos a LLanes, onde está situado o primeiro abastecimento. Já levamos 40 km. e nem dei por isso... apanho só agua e meia banana e continuo.
Outra vez no arrebenta pernas encontro-me a 170 ppm, saltando de um grupo para outro. Isto não pode ser...penso para mim - assim vou chegar feito num fósforo a Covadonga. Começamos a subir o desfiladeiro das Cabras e decido descontrair-me um pouco. Apanho um grupito que vai num ritmo que considero confortável e vou com eles.
Na descida como outra vez. Faz calor, pelo que a hidratação é muito importante -penso- obriguei-me a beber sorvitos de agua cada 10 minutos mais ou menos. Em seguida organizámo-nos, 4 dos que integram o grupo e pomo-nos a revezar, vamos caçando pessoal que se põe na cauda do grupo sem colaborar nada no puxar... Covadonga está perto e há que guardar reservas. Encontro-me muito bem, e não deixo de entrar nas substituições.
Assim chegamos à rotunda em que se vira para os Picos, a sensação é impressionante. Temos vindo a descer - ladeando por um vale amplo em concha: o que conduz até Cangas, mas aqui a fisionomia altera-se: encaramos frontalmente a montanha e internamo-nos por um vale aconchavado que baixa directamente dela. Vou para a cauda do grupo comer e descansar um pouco.
Uns km. mais adiante aparece a Basílica de Covadonga, com a Santina que os Asturianos veneram e a campa do Rei D.Pelayo, é o aviso do que se avizinha: os 12 km. do que durante anos foi considerada a subida mais temível das voltas ciclistas (agora esse protagonismo mudou-se para L'Angliru).
Passo os restaurantes, curvo à esquerda e já estamos no “palco da festa” um ano mais. Subo os carretos e disponho-me a trepar tranquilamente. Mal se começa, adianta-se-me um grupito do Clube Artevi, também Toledanos. Saudamo-nos e deixo-os ir, que já sei o que há lá em cima e é melhor subir com a psicologia de guia: "Há que subir as montanhas com passo de velho, para chegar com coração de jovem". Alguns km. mais acima encontrei um deles com cãibras.
Assim vou subindo até à Huesera. Esta é uma difícil rampa de uns 800 mts, descarnada e sem curvas, que tem dois sítios fortes de 15% e que em nenhum momento baixa de 12%. A montanha avisa da sua proximidade, já que até chegar a ela vai-se subindo dentro de um frondoso bosque, mas uns metros antes do seu começo as arvores acabam-se. Porque me terá enganado o coração um ano mais - penso -. Um par de curvas antes de começar, pedalo um pouco em ziguezague, para aliviar a musculatura lombar. Vou superando pouco a pouco o desnível. Já estou nos primeiros 15% e ponho-me de pé nos pedais outra vez. Há que subir, esquecendo o que se passa à tua volta. Já está... sento-me e olho o pulsoómetro: 175 ppm, tenho que aliviar um pouco. Chego ao seguinte 15%. outra vez de pé..., passo-o, sento-me e olho o pulsómetro: 180 ppm. Concentro-me em aliviar para poder chegar à rampa do Miradouro da Reina sem passar das 165 ppm. Antes desta rampa, que volta a empinar-se até 15%, há um descançozinho. Consigo descer as pulsações e ataco esta rampa também de pé. “Vamos, vamos que depois há um descanso!...” Animam a pessoas ao pé da estrada. Supero esta rampa e penso que já tenho quase a montanha conquistada. Ainda é cedo para descuidos: faltam ainda uns 5 kms. de subida com varias rampas de 12%. Chego à descidita donde recordo ter visto desaparecer o Pedro Delgado entre a névoa, pela TV, naquele ano em que ficou em terceiro na Vuelta, não sei se ganhou aqui ou se fez segundo. Continuo a subir, completo a rampa que conduz ao Collado, da qual se domina o lago Enol, e dou-me conta de que a montanha recebe-nos hoje com o seu traje de gala: Sol e neve nos cumes... Encaro a última rampa até a meta, entro na zona dos últimos 100 mts, que a organização gradeou, e sprinto como posso: esta é também uma rampa difícil. Olho o céu antes de entrar. Um ano mais pude saudar o majestoso cume de Peña Santa de Castilla, que este ano está coberta de neve, dominando a serenidade do lago Ercina !Guay! - como diria a minha filha.
Cheguei em 622 dos 2.833 que tomámos a saída. Apanho uma coca-cola e agua no abastecimento e abrigo-me. A organização não se esqueceu de levar jornais para nos protegermos do frio na descida, o que é um detalhe de realce. Depois de saborear a minha coca-cola e uma barrita energética, enquanto desfruto a paisagem, empreendo a descida na qual me vou cruzando com muitíssima gente que todavia ainda sobe, alguns a pé na zona da Huesera.
Chego aos autocarros e depois de esperar um bocado aparecem Faco, Angel, Eugenio, David e alguns mais e decidimos voltar para LLanes de bicicleta, em vez de apanhar um autocarro da organização. Assim nas calmas, fazemos os 55 km de regresso. Veio-me mesmo a calhar este regresso, para adquirir forma para enfrentar a Qubrantahuesos. No final o meu ciclo-computador marcava 154 km.
Pela noite juntamo-nos Faco, Angel, Eugenio, sua mulher e a minha e a minha filha, para tomar um copito e celebrar o que de bom tínhamos vivido. A próxima é os Puertos de Madrid. Vamos ver se o Eugenio se anima, e poderemos ser tão bons guias da zona como ele foi nos Lagos.
Saúde e sorte nas estradas.
Ramón