FICÇÃO
Sugiro veementemente a Vossa Excelência que procure receber contribuições inusitadas
no orifício cocorado, do qual é proprietário, sito na região sacro-ilíaca
- do meu amigo Vasco, se alguma vez se zangar
A determinação com que um ciclista isolado pedala para a meta, por vezes já todo roto, é coisa que nos espanta sempre. Mas, e a determinação das mulheres? E se essas mulheres forem as esposas dos ciclistas? Vejamos. Voluntarina é uma esposa tão determinada que raramente dá o braço a torcer, pelo contrário. A sua determinação ficou bem patente enquanto ela esperava pela fisga da persiana da janela da sala, que o marido chegasse de mais um Évora-Caparica, quando lhe pareceu ver um vulto no quintal. Aproximou-se por detrás e sem fazer barulho, deitou-lhe a mão às partes baixas enquanto perguntava: quem é você. Não tendo obtido resposta, determinada, apertou com mais força e insistiu: quem é você. Nada. Já com pedaços de pele entre as unhas dos dedos, fez um ultimato. Finalmente o vulto explicou-se:
- Sou o mudo!
Voluntarina não é assim com todos. Com o seu marido, a quem os amigos chamam Pedal de Prata, para ela o seu PêPê, apenas lhe ralha por este ser teimoso em não querer admitir que é por ele que se atrasam sempre durante a semana para o emprego, mas que para andar de bicicleta todos os domingos e feriados até se levanta meia hora antes. Ele não concorda e acha que é é determinado, afinal ele é apenas um homem adaptado aos tempos modernos e à correria da vida, e para o provar levanta-se sempre com determinação cinco minutos antes de saírem de casa. Desfaz a barba com a máquina numa mão enquanto come uma maçã com a outra, a seguir escova os dentes enquanto com a outra mão faz o xixi matinal. Por vezes já tem feito amor com a mulher enquanto penteia a sua farta calvície.
Voluntarina, como qualquer mulher ou esposa, parece ter mais tempo para pensar, e num desses domingos em que Pedal de Prata, depois de 4 horas a pedalar até Monsaraz, quando se preparava para o duche retemperador, reparou num letreiro por cima da sanita a lembrar-lhe que ali se deve urinar sentado. Foi com um grito de horror da esposa que, 2 minutos depois, quando esta ia buscar a camisola interior suada, as meias e os calções (cuecas não, que não é material que ciclista use), para meter tudo na máquina de lavar, deparou com ele, meio sentado, mais para o deitado, no chão da casa de banho, a um metro da sanita e dali a tentar acertar lá dentro, num rigoroso exercício de cumprimento de ordens escritas, que ele não queria desobedecer, pois uma vez já tentara o divórcio indo mesmo a Tribunal. O Juiz até lhe pediu para lhe dizer qual o motivo para se querer divorciar da esposa (da esposa pois – ainda este ano se esperam divórcios de esposos). Meio envergonhado lá respondeu que ela o tratava como se fosse um cão! Mas, insistia o Juiz, maltrata-o, bate-lhe, não lhe dá de comer?
- Não! Quer que eu lhe seja fiel...