Olá,
Voltei dos Lagos e não me doem as pernas. Só isso é uma grande vitoria para mim, porque o ano passado acabei com tanto acido láctico no sangue que andei vários dias a arrastar-me.
Foi o meu segundo ano nos Lagos e, no estilo da Maria, resumo a crónica em três pontos:
1º é uma subida incomparável e, com bom tempo como neste sábado, impressionante, tanto para o ciclista como para o turista.
2º ninguém se faz ciclista da noite para o dia, logo, tenho que treinar muito mais se quero desfrutar a tope das encostas.
3º o Nava 2000 é um clube de jarretas (caras de maus e oportunistas, para os não espanhóis) e sem vergonhas, que usam a ciclomarcha mais chamativa de Espanha para lucrarem. Passo à crónica:
Amanheceu com um dia lindo, espalhado inclusive sobre a serra de Cuera, um maciço kárstico que domina Llanes e que é habito estar tapado de neve.
Na noite de Sexta, o Angel e eu jantámos com o Eugenio e o Charly, e depois reunimo-nos com Ramón, para pôr à prova os últimos nervos antes de irmos dormir.
Meia hora antes da saída juntamo-nos com mais ciclolisteros (José Ramón, Juanma, Fernando) e fizemos as fotos da praxe. O dia convidava ao ciclismo, e eu tinha o dorsal 1012, assim propus-me (melhor, desejei) fazer um posto inferior ao dorsal (em 98 tinha feito quase 1700).
Saímos calmamente, longe da cabeça, mas algo mais rápidos que o ano passado, e encaminhámo-nos para a primeira montanha do dia.
Desta vez, subiríamos para Tornería pelo lado suave, atravessando a serra de Cuera pelo sul. A subida era fácil, com apenas uma ou outra rampa mais dura e de seguida cheguei ao cimo, onde já tinha entrado a neblina e fazia fresquito. Para não parar fiz a descida em pelo, sem capa de chuva, mas por ser uma descida rápida e curta não tive tempo de a enfiar, e quando quis dei-me conta de que estava em Llanes, saboreando um miserável abastecimento. Tive a imensa sorte de que uma encantadora moça da organização me desse um Acuarius, mas o Eugenio, que apareceu apenas uns minutos depois, só lhe tocou agua ou coca-cola. Agarrei nuns bolitos, um par de barritas, uns figos, uma banana e segui na marcha, sempre com os mesmos. Juntámo-nos com David, que tinha chegado tarde, e vimos o Javier.
Ainda nos faltam 40 km. até ao desvio para Covadonga, assim, vamos com calma. É uma boa estrada que dispara levemente até ao cimo, atravessando o Desfiladeiro das Cabras e subindo depois para Robellada. Aí foi-se um pouco do meu ar, adiantei-me um pouco porque queria parar para urinar e não queria descolar dos demais ciclist@s. Na zona plana chegando a Cangas parei e demorei o suficiente para que me apanhassem o Fernando, Eugenio e companhia, que vinham como um avião. Tive que pedalar como um louco para os pilhar antes da rotunda da entrada para Covadonga.
Nos poucos quilómetros até a Basílica já quase ninguém fala, ou só há piadas nervosas, porque a malta nota que se aproxima a grande Subida. O abastecimento antes da subida, INAPRESENTAVEL. Estávamos entre os 1000 primeiros e só tinham agua e coca-cola. Não há direito, pagando o que pagamos (3500 ptas/$23) e sabendo que os patrocinadores oferecem boa parte dos abastecimentos, temos que suportar que o Nava 2000 se encha de dinheiro em vez de se dignar a dar-nos de comer. Com uns nervos descomunais retirei as joelheiras (fazia um calorzinho e não necessitava delas) e empreendi o último troço da marcha.
Passada a Basílica, chego a uma curva à esquerda, que assinala o começo. Olho o relógio para poder contar o tempo, meto a coroa de 25 dentes e abro a camisola até onde posso. Como o dia é magnífico, há muitíssima gente animando-nos, e isso agradece-se muito - é isto talvez, que torna tão especial esta marcha, sobretudo nos primeiros quatro km. de subida, que são muito duros, e onde a paisagem não te distrai porque vais entre árvores. Dá-me muita graça ouvir comentários continuamente, sobre as minhas costas, que as pessoas dirigem à malta.
Subo relativamente confortável, sentado quase todo o tempo, a umas 60 pedaladas por minuto e à volta das 170 pulsações. Vou ultrapassando muita gente, e há dois ou três ciclistas com os que alterno, às vezes passo-os e noutras ocasiões são eles que me passam. Faz um calorzito mas não sufoca, assim vou ao meu gosto (dentro do possível). Por fim, chega a terrível Huesera. O ano passado impressionou-me, mas este pareceu-me pouca coisa. Não é que não seja difícil, que o é, mas depois de Angliru não me parece tanto, e passo-a quase sem me dar conta, inclusive até me parece curta (não tenho dúvidas, é realmente dura, mas a cabeça nem sempre sente o mesmo que as pernas). Dá-me a impressão de que há menos gente que o ano passado, e é fácil ir adiantando aos que vão mais devagar, avisando-os primeiro para que não se atravessem. O meu grande problema é que suo muito, ainda não tenho demasiada sensação de calor (e até levo uma camiseta térmica), e mal posso abrir os olhos. Já não só por estarem nebulosos mas porque me doem, e ficaria encantado se pudesse parar para lavar a cara - é um suplicio, mas por orgulho não me desço da bicicleta.
Passada a Huesera ainda resta uma boa parte dificil, uns dois km., mas creio que os farei sem problemas, se os olhos não me caírem ao chão. Já não me falta muito e oiço que alguém pronuncia o meu nome. "Porra, penso, vou tão mal que os outros já me alcançaram, os tais que deixei para trás desde o principio?" Olho pelo retrovisor e chego a distinguir uma arroba. Não pode ser Angel, que gosta de subir mais devagar que eu, assim tento distinguir-lhe a cara, a ver se o conheço. Quem quer que seja, já acelerou e alcança-me, e então reconheço-o. È Alberto Ibarretxe, o txirrindulari de Bilbau, que dissera que viria só fazer a subida! Baixo um pouco o ritmo e trocamos umas palavras. Ele vai muito confortável, imagino que graças à pedaleira tripla (veio com pneus tipo tractor), mas começo a notar picadas nas pernas e, sobretudo, doem-me os olhos. Aproximamo-nos da última rampa antes do Mirador, que é um ésse terrífico, de 12 a 14%, e tenho medo de chatear as pernas com as cãibras, assim, digo ao Alberto que vou parar um momento e refugio-me debaixo da sombra de um arbusto. Estou a ponto de contraturar o quadricipe, mas finalmente aguenta-se. Tiro os óculos, o capacete, e lavo os olhos com agua do bidão. Que alivio! Tinham-nos dado um pouco de óleo para massajar, que aproveito para untar as coxas generosamente. Devo ter uma aparência infame, mas ao menos os meus olhos descansarão. Coloco o capacete de novo, ponho os óculos e disponho-me a prosseguir. Um senhor aproxima-se de mim e oferece-se para me ajudar a montar e dar-me um empurrãozito. O mais amavelmente que posso agradeço-lhe e digo-lhe que não é necessário, que parei mais pelos olhos que pelas pernas e, efectivamente, subi para a bicicleta, engancho os pedais, e num instante passo a rampa e estou no Miradouro da Reina. Aqui foi onde o ano passado, atascado de frio e com as pernas contraturadas, tive que parar. Tenho um pouco de receio, mas os meus musculuzitos portam-se bem e continuo a subida tranquilamente.
Pensei que faltava menos, mas ainda faltam uns quilómetros muito pesados até à primeira zona com agua. Continuo sentado quase todo o tempo, desfrutando da paisagem, que o ano passado estava tapada pela neblina, e ultrapassando mais maralha. Não é que vá a assobiar, mas sei que já passei o pior e que certamente chegarei lá a cima sem mais problemas. Na primeira descida cruzo-me com os que já regressam, alguns jurando em pragas por ter que subir nessa rampa, que deve ser de 10% e que dói bastante, depois de tudo feito. Nova subida, as pessoas dizem que já não falta quase nada (isso já eu sei, he, he) e descida para o primeiro lago. Bonita paisagem, muita gente, aplaudem e sorrio. Agora já se vêem os cumes, ainda com neve, dos Picos da Europa. Dão vontade de parar para desfrutar da paisagem, mas afronto a última encosta e vejo o lago Enol !QUE BONITOOOO!
Já o conhecia pois subi aqui pela primeira vez há vários anos de carro, mas vê-lo agora, brilhando debaixo do sol, depois de tê-lo "ganhado" subindo na bicicleta, é uma sensação muito emocionante. Por um instante ignorei as centenas de pessoas o meu redor, aos poucos ciclistas que ainda ultrapasso, e sinto-me um privilegiado por poder desfrutar da vida fazendo estas coisas. Passado o transe, chego à meta e dão-me o papelinho. Olho-o com um pouco de medo, porque agora dou-me conta de que queria ficar num bom posto... 854! Que bem. Quase a metade que o ano passado, e subi numa hora e quatro minutos, apesar de ir com algumas cãibras. Estou muito contente e vou a correr beber qualquer coisa. O abastecimento, "magnífico" de novo. Agua e Coca-cola. Continua sem haver a porra de uma bebida isotónica, que é o que melhor nos convém, com o suor que despendemos. Afortunadamente, conservei o bidão que trazia com isotónica para este momento, e poder beber o que mais me apetece. Além disso, como não está demasiado calor, está fresquito e sabe-me a gloria.
De seguida vão chegando os outros e tiramos um monte de fotos. Esperámos para ver se chegava o Charly, mas parece ser que no final algo se passou com ele e não conseguiu chegar cá acima (coisa estranha para um dos heróis de Angliru). Depois de muitas piadas e risos, vestimos os abrigos e começamos a descida. Enquanto passo o primeiro lago, noto logo, que a capa está a mais, assim, paro para o despir e para fazer alguma foto mais, e continuo a descida. Já tinham aberto o transito, ainda não havia muitos carros e pude descer em velocidade de caixão à cova, ultrapassando bastante maralha e, o mais divertido, alguns carros.
Na Basílica reagrupamo-nos todos. Despedimo-nos de alguns e com outros empreendemos o final da aventura: voltar até Llanes de bicicleta (50 km.), para não ter que esperar pelos autocarros que a organização disponibilizou. No principio vou muito animado, mas de seguida noto a factura dos quilómetros anteriores e limito-me a vir na “mama” da roda (quando posso) ou a rolar suavemente. Por sorte apenas há um par de kms serra acima e o resto é deixar deslizar. Ramón é o único que vai bem e tem que esperar por nós, mas os restantes (Angel, Eugenio e eu) deixamo-nos arrastar e só revezamos algumas vezes timidamente.
Já em Llanes, duche e pestisco final. A tarde é dedicada aos Centros de Alto Rendimento de Llanes, nos quais Eugenio se revela bom conhecedor. Graças aos seus saibos conselhos, aceleramos a recuperação mediante substancias permitidas como a sidra, a favada, peixe fresco na tábua e um bom entrecosto de vitela. Um pouco por vergonha desta vez não tiramos fotos e conformamo-nos com uma boa recordação.
Maravilhosa Asturias...
Francisco, desde Madrid.