ABC prático do ciclismo
FISGADA
“Foi a tropa que fez de mim um homem",
in, entre aldeões
Via o filho crescer até à maioridade e sabia que ele já não teria que assentar praça, ir "às sortes", pois actualmente não existe Inspecção Militar, foi substituída pelo Dia da Defesa Nacional, e é para o menino e prá menina obrigatório. As guerras ou batalhas, o seu filho e outros, hoje travam-nas nos PC´s. O contacto com as armas, hereditário durante décadas através do Estado, quase que se perdeu. Agora só através do Paintbal, pouco a pouco substituído pelo Airsoft, com material militar, federação e campos de treino (por cá no velho armazém da fábrica da bolota e no edifício da Epac) que os obriga a levantar os fundilhos da cadeira e a correrem de uma parede para outra, simulado guerrinhas que, embora reais, para eles são virtuais, tal como em casa frente aos monitores.
Também no seu tempo de menino, a pressão de ar (flóber), fora o máximo que se podia aspirar, mas que nunca tal o motivara. Um dia o seu pai aproveitou uma forqueta de um ramo de eucalipto, ao qual atou um elástico, que poderia ter sido a coisa mais poderosa da sua infância, não fora o facto de ter vindo de um pai com carateristicas incomuns, sem nada lhe dizer, delegou nele a decisão de a usar. Era a obrigação mínima de oferta, não de ensino, mas como símbolo de masculinidade, que competia a um pai pacifista como o seu. Com eucaliptos tão altos, manuseamento raro e pontaria zero, aquilo andou lá pelo quintal até ao dia em que decidiu, pela inutilidade, desfazer-se dela.
Numa derradeira tentativa, mais para descargo de consciência, subiu os dois degraus do portado e encostou-se à umbreira da porta. Já quase escurecia, era a hora do chilrear intenso, quando os pássaros mais se aglutinavam para passarem a noite juntos e em segurança. Sem convicção lá encostou a mão ao ombro esquerdo, enquanto o braço direito se afastava tenso. Abriu a mão e disparou na horizontal. O que se seguiu marcou-o para sempre. Parecera-lhe que derrubara algo e o coração deu-lhe um pulo. Não, aquilo não lhe podia estar a acontecer. Para se sossegar começou a encortar os cerca de 80 metros, enquanto dizia para si que podia ter sido uma folha de eucalipto atingida. Aproximou-se com o credo na boca e sentiu um baque. Confirmara-se o que temia. Ali no chão, estendida, estava a alma inocente de um passarinho muito pequenito. Fartou-se de o assoprar e de lhe pedir desculpas. Em vão. Ali mesmo jurou a si próprio nunca mais ter de pedir desculpas, a ninguém. Basta-lhe não apontar para alguém, e muito menos disparar, algo que seja, para a molhada.